sábado, 29 de setembro de 2012

Frank Ocean - Channel, ORANGE

Há pouco mais de quatro meses Frank Ocean protagonizou um dos momentos mais importantes da recente história do hip-hop. Ao tornar pública sua homossexualidade, o rapper (que é um dos integrantes do polêmico Odd Future) tocou em uma ferida dolorosa que há tempos cresce dentro do gênero, rompendo de forma sutil e emocionada com parte do preconceito que há mais de três décadas define o estilo e grande parte dos trabalhos relacionados a ele. Propaganda oportunista para uns, anúncio necessário e sincero para outros, em meio à polêmica que o apresentou pela primeira vez a uma série de novos ouvintes, Ocean entrega agora o primeiro registro oficial lançado por uma grande gravadora, Channel, Orange (2012, Def Jam), álbum que involuntariamente, deve se transformar em um novo marco para o hip-hop norte-americano.

Embora o anúncio sobre a sexualidade do rapper aliado ao lançamento do presente álbum soe em alguma medida como uma “estratégia oportunista”,Channel, Orange está muito além de um projeto propagandístico ou que dependa esse artifício. Mesmo próximos, tanto o emocionado texto de Ocean – apresentado em seu Tumblr no dia quatro de julho – como o presente registro caminham por vias diferentes. Enquanto o primeiro se manifesta como uma confissão de liberdade para o jovem rapper, o segundo vai além dos limites do criador, afinal com 17 faixas e um acabamento primoroso, o recente disco estabelece uma série de vínculos que o distanciam da figura de Ocean e o aproximam do ouvinte. Talvez pela grandiosidade do rapper ou pela habilidade de seus produtores, o álbum inevitavelmente se transforma em uma obra de caráter universal, deixando de ser apenas de Ocean.
Se Chanel, Orange é o resultado final, a conclusão do esforço coletivo entre o rapper e seus colaboradores, então Nostalgia, Ultra hoje aparece como um “simples” trailer. Há pouco mais de um ano, enquanto passeava em meio à samples de Radiohead, Coldplay e Nick Drake, Ocean lançava um trabalho que parecia competente com sua idade, ressaltando valores típicos de um artista na casa dos 20 anos – mesmo que ainda fosse capaz de discutir uma série de temas além de seus limites, como o casamento no épico American Wedding. No decorrer do novo disco, entretanto, temos um salto na qualidade e no teor das composições do rapper, que por vezes soa mais velho e um profundo conhecedor dos sentimentos, dores e percepções da natureza humana


Ao se transformar na matéria prima de todo o trabalho, Ocean estabelece uma série de elementos que em alguma medida assustam o espectador. Afinal, é como se em vários momentos do registro o ouvinte encontrasse a si próprio em meio as densas composições montadas pelo rapper, logo, o estranhamento ou o “susto” é inevitável. Seja você homessexual ou hétero, independente de suas escolhas, crenças ou sentimentos há sempre o esforço do norte-americano em ressaltar algum ponto doloroso e compartilhado com qualquer indivíduo, percepção que se intensifica na grandiosidade confessional de Bad Religion (It’s a bad religion/ To be in love with someone/ Who could never love you) ou na saudade que dança no interior de Thinkin Bout You (You know you were my first time, a new feel/ It won’t ever get old, not in my soul, not in my spirit, keep it alive).



Musicalmente o trabalho soa deveras convencional e excessivamente básico em alguns instantes. Até o lançamento da épica Pyramids (com quase 10 minutos de duração), grande parte do registro mantém uma desenvoltura sonora tradicional, com Ocean e os produtores tricotando um som ameno, ora voltado aos lamentos do soul, ora brincando de forma controlada com a quentura do funk que invadiu a década de 1970. A medida parece até uma preparação para as criações volumosas que se acumulam na segunda metade do álbum, proposta que bem define o tom quase ensolarado da “pop” Lost ou o rock climático de Pink Matter, canção em que Ocean e o convidado Andre 3000 (OutKast) passeiam suavemente pelas bases enevoadas de uma guitarra.


Mesmo que o trabalho funcione como uma obra fechada, com todas as canções amarradas dentro de uma mesma proposta – o que deve contribuir para a transformação natural do álbum em um clássico recente -, Channel, Orange cresce individualmente em diversos momentos. Seja pelos anseios brandos e diálogos com a soul music em Thinkin Bout You e Sweet Life (dois dos momentos mais comerciais do álbum), seja pelas letras fortes que em diversos momentos tratam abertamente sobre o uso de drogas (Crack Rock), são vários os momentos em que o rapper cresce pelas particularidades de sua obra.


Curioso perceber que grande parte da beleza de Channel, Orange está na formação de um trabalho que se desprende (quase) por completo de toda e qualquer tendência ou composição voltada ao pop. É como se o rapper fizesse questão de ocultar o R&B comercial que o aproximou de John Legend e Beyoncé ou mesmo da fragilidade que o definiu em músicas como Novacane e There Will Be Tears




Mais curioso ainda é perceber que essa ausência de um som comercial e radiofônico em nenhum momento pesa no interior do disco. Em estreia solo Frank Ocean flutua como um artista sóbrio, por vezes inédito mesmo àqueles que há tempos o acompanham, reinventando cada mínimo espaço do álbum em prol de um trabalho que mesmo sério, prende em virtude da grandiosidade e da comoção que entrecorta as rimas.




Chanel, ORANGE (2012, Def Jam)
Nota: 9.5

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